quinta-feira

Crônica: A Angústia e o Viver

Desde que nascemos, por mais amparados que formos, seja pela mãe, pelos médicos, enfermeiras e familiares, é apenas um amparo externo; internamente estamos e continuamos sozinhos, desde o início até o fim. Vivemos na solidão do nosso mundo das idéias, com todos os fantasmas possíveis, monstros, bandidos e mocinhos, contos de fadas e a realidade nua e crua. Sozinhos, absolutamente sós: angústia, sofrimento. Estamos expostos frente ao real e por vezes sem proteção alguma. A próxima rês a ser abatida, o próximo alvo do atirador; um tiro eminente e certeiro. Nos encontramos encarcerados por grades invisíveis, sem ninguém que possa nos salvar da vida. A angústia é aquele sinal de alerta, real ou imaginário, sempre a nos avisar que a possibilidade do pior pode acontecer. E por vezes acontece, mas nem sempre, e a maioria das vezes não identificamos o objeto de nossa angústia. Ela vem de profundos desejos não realizados, de sonhos que não foram concretizados, de momentos felizes desperdiçados, da vida que não é vivida.

Muitos são aqueles que esbanjam a vida, tal qual o filho pródigo que recebe sua riqueza e a esbanja sem critérios. Quando não se sabe o valor que algo possui, invariavelmente é certo que se perca com facilidade, que se esvaia pelo vão dos dedos como água, sem mesmo perceber. Do contrário, aquele que sabe do esforço que é necessário desprender para possuir algo, este cuida, este valoriza porque sabe quanto custou. Assim é a vida, ela nos é dada. “Não pedi para nascer”, diz o descontente com a vida, como que jogando a quem lhe concebeu a responsabilidade. Realmente não pedimos para nascer, a vida foi-nos oferecida pela união de um homem e uma mulher. Por isso talvez, essa falta de valorização; por isso esse esbanjar a vida, como se ela fosse um rio a fluir eterno e abundante. Entregamo-nos ao vício, à futilidade, à mesquinhez, a pequenez, ao desrespeito; é como se jogássemos os dias de nossa vida pela janela, carregados do que o homem pode produzir de pior. Quando um dia em que fatalmente a vida chega ao fim, nos percebemos angustiados, porque a vida passou e dela pouco se usufruiu, nos dando a impressão de que foi mais breve do que imaginávamos. Nesta posição, há aqueles que se agarram às migalhas que ainda restam como se pudessem e quisessem resgatar o tempo perdido; talvez olhar para trás pode parecer mais angustiante do que olhar para o futuro. Águas passadas... é tarde para fazer a roda da vida girar, mas não o é para se angustiar. E paradoxalmente, talvez, no momento em que nos impacta avassaladora, pode servir de motivação no sentido de usufruir melhor a vida, extrair dela o melhor. Recebemos gratuitamente a vida, nem por isso precisamos esbanjá-la.
Odair Comin
Psicólogo e Escritor
Autor do livro: Filoterapia - Conhece-te a ti mesmo

Um comentário:

Psiquismo Desmistificado disse...

Parabéns pelo texto.
Angústia tem sido uma das maiores queixas que presenciamos atualmente.
O ser humano parece estar perdido em uma crise existencial infindável.
Abraços