quinta-feira

Contos: Psicofonias

Morrer é como apagar uma lâmpada. Simples assim. Uma sala antes iluminada, onde se podia ver vários objetos, imagens, cores, vida; derepente se apaga, escuridão. Não há poesia, não há romantismo, nada. A morte é um interruptor desligado, um passo em falso para o abismo.

Pois eu não concordo, acho que a morte é apenas um outro tipo de vida. Sei lá, uma vida diferente da que conhecemos, sabe, condicionada a um corpo, um trabalho, uma casa, obrigações, familia, essas coisas. Morrer é libertar-se da vida, mas isso não é o fim do mundo, nem o fim de tudo. Morrer é passar do mundo real para o mundo das ideias.

Ah! Quanta ingenuidade Arthur, você é um menino que ainda acredita em contos de fadas, nas histórias com finais felizes. Pra você, nenhuma história pode terminar no meio, ou em qualquer outro lugar senão no fim, e tem que ser um fim feliz, do contrário, acha que ainda não terminou. É por isso que tenta se enganar com essas baboseiras de vida além da vida.

Pois eu acho você radical demais Victor, você é tão menino quanto eu, só que se acha adulto demais para acreditar além do que vê, em fantasias, sonhos. Meu pai um dia me disse que as pessoas vivem muito mais tempo na fantasia do que na realidade. Por que na verdade é muito mais legal.

Ei, você ouviu isso Arthur?

O que, o que você ouviu?

Sei lá, como se alguém estivesse coçando a barba.

Nossa Victor, que viagem, eu não ouvi nada.

Você acha que tem alguém nos espionando?

E para que você acha que alguem iria querer espionar dois meninos, que estão conversando besteiras em um quarto escuro.

Quarto escuro? Foi você que apagou a luz Arthur?

Eu não, acho que esteve apagada desde sempre!

Que estranho!

Victor, como é que a gente sabe se está vivo ou morto?

Caramba, agora tu pirou de vez, que pergunta maluca. Eu sei lá.

Pensa cara, eu acho que você só esta vivo se alguém disser que está.

Como assim?

Ah, como em um livro. Se o livro estiver fechado e ninguém está lendo, todos os personagens estão mortos, mas quando alguém começa a ler, todos ganham vida, todos tem uma história

E quando o cara para de ler, todos morrem de novo?

É isso mesmo Victor, os personagens morrem e renascem toda vez que se abre e fecha um livro.

Então quando o livro acaba, morrem de vez, pelo menos até alguém começar a ler de novo.

É meio maluco, mas talvez seja isso mesmo, sei lá.

Você acha que só estamos conversando porque tem alguiém lendo, então o que eu disse não fui eu que pensei ou quis dizer, mas o que alguém escreveu?

É, acho que sim, isso faz sentido, é que as vezes não me sinto dono do que acabei de pensar, na verdade nunca sei o que vou pensar, mas só o que estou pensando.

Comigo é assim também, mas isso não é normal, não é assim mesmo?

Acho que é. Não sei, acho que sim, mas não tenho certeza. Sabe, agora me veio um pensamento.

Qual?

Então tem alguém lendo, e se parar de ler, significa que vamos morrer. Se a história estiver no fim vamos morrer para sempre, nunca mais vamos conversar?

Estou com medo Arthur, não quero morrer.

Acho que não temos escolha Victor.

É terde demais, estou…

Não! o que está acontecendo… por favor, quem quer que esteja lendo, não pare, continue…

Odair Comin

Psicólogo e Escritor

Autor do Romance: Jardim do Éden

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