quarta-feira

Ensaio: Ei, o tempo está passando

Ei, o tempo está passando.
O tempo nos corrói como um ácido, como ferrugem o ferro, uma verdade cáustica. É pesado e é leve, chega fazendo estardalhaço e por vezes tão sutil. O tempo nos despedaça tal qual o inocente sopro de uma criança, que desmancha as plumas da semente de dente-de-leão. Que bela cena. É, o tempo é belo, é nosso melhor amigo e certamente o pior inimigo. Analogia é o que não falta para o tic tac implacável do tempo. Para alguns passa tão rápido quanto o trem bala, para outros nenhuma analogia melhor que um bicho-preguiça em câmera lenta, tão devagar que se gostaria de empurrar, e se tentar, vão esforço, menos progresso.
Ei, o tempo está passando.
É, realmente está, mas e o que importa, já que o tempo é abundante, é eterno, nunca acaba. Realmente o tempo parece nunca ter fim, haverá sempre um porvir, um amanhã, um futuro. É, o tempo nunca acaba, mas o que tem isso haver comigo? Não sou o tempo, não sou eterno. Sendo assim, parece que não importa o tempo, ou pelo menos o tempo não se importa comigo. O tempo é como o sol, como a lua, as estrelas, nenhum deles se importa comigo. Eu sim, eu me importo, dependo deles, me influenciam, me dão vida. O tempo é livre, é independente, é senhor de si.
Ei, o tempo está passando.
Tive uma idéia, e se eu aprisionasse o tempo. Aprisionar o tempo, mas que idéia maluca. É impossível aprisionar o tempo. Poderia ser apenas um pedaço dele, uma parte. Ok, e o que iria fazer com um pedaço de tempo? Eu poderia entrar nele, sabe, como se esse pedaço de tempo fosse uma bolha, eu poderia entrar nela e permanecer ali dentro. Um tempo aprisionado. Não, não, ao que me parece eu é que estaria aprisionado. E o que eu faria com esse tempo estático, parado, esse tempo que não flui? É, mas e se eu, mesmo aprisionado como um peixe em um aquário, pudesse assistir o tempo passar, mas o tempo dos outros, não o meu. O meu tempo não passaria, apenas um tempo alheio passaria por mim. Pensando bem, isso me parece um isolamento total, e qualquer contato com o tempo que flui me contagiaria. De que adianta parar o tempo? Já que é ele quem nos põe em movimento. O tempo flui sempre no mesmo ritmo, na mesma velocidade, nós é que nos alteramos.
Ei, o tempo está passando.
Já que não posso aprisionar o tempo, nem tão pouco pará-lo, o que posso fazer então? Prazer, felicidade, perpetuação da espécie? Missão? Preciso descobrir antes que o tempo se rebele contra mim. Talvez tenha sido muita soberba, meu tempo, e quem sou eu para me achar dono do tempo. Nada mais democrático do que o tempo, no entanto nada mais intangível, abstrato. É, todos temos direito ao tempo, mas nem todos sabemos direito o que fazer com ele. Acho que deveria dizer: a parte do tempo que cabe a mim, como se o tempo fosse um bolo cortado em várias fatias, e pelo menos uma coubesse a mim. Não, não é isso. Se eu comer a fatia então o meu tempo acaba. Ora, ele não é eterno? Ok, ok! O tempo , mas eu não, uma verdade verdadeira. Voltemos pois, ao bolo, como vou comer minha fatia, importa é encher a barriga. Não, não. Não é o bolo que importa, importa é o que se sente quando como o bolo. Doce, muito doce, pouco açúcar? Não, não é como se degusta, é o prazer que sente, as imagens que são evocadas, os comentários. Que delícia de bolo, foi você que fez? Nossa esse bolo lembra o que a minha mãe fazia quando eu era criança, humm! Esse aroma me leva as estrelas.
Ei, o tempo está passando.
Mas que droga, o tempo está se parecendo mais como uma aranha, viúva-negra quem sabe. Tece sua teia, sua armadilha e caímos sem perceber. Quando menos se espera ela nos encourá-la, nos envolve, nos seduz e logo nos devorará. Visão desoladora essa, não? Uma verdade pegajosa. O aracnídeo tempo tecendo sua implacável teia, quando pronta senta-se e espreita, apenas esperando suas presas, um descuido e me vejo preso. Luto em vão, logo serei devorado. Isso me lembra a morte, é ela mesma a deusa negra. Não há vitórias contra ela, contra o tempo. Aliás, o tempo é a morte personificada, tempo e morte, duas faces da mesma moeda. Ambos matam. O último segundo acabou de ser morto. Isso está parecendo uma tragédia grega ou talvez Sheakespeareana.
Ei, o tempo está passando.
Se o tempo está tentando me matar, como posso ser seu amigo? A boa notícia é que se está tentando, ainda não conseguiu. Não há vitórias contra o tempo, mas há batalhas, mesmo que eu perca a guerra, posso vencer algumas batalhas. É isso, não preciso me preocupar com a guerra, apenas lutar cada batalha, vencê-la e comemorar, e cada batalha pode ter uma comemoração, sabe, uma festa. Festa lembra diversão, banquete, dança, bate-papo, paquera, prazer, alegria, felicidade e tudo o mais. Pode ter certeza, toda batalha vencida merece uma festa. O que realmente importa é a festa, portanto festeje.
Ei, o tempo está passando...
Odair Comin

Nenhum comentário: