quarta-feira

MicroConto: A Caçadora

Uma casa inteira poderia tremer ao ressoar da voz masculina, que se desprendia de um corpanzil feminino. Se houvesse um lugar onde deveríamos procurar testosterona era em sua garganta. As feições destemidas, manteriam qualquer pretendente a kilômetros de distância. Joana é uma caçadora, com esse fim fora contratada. Carrega suas armas bem à vista, sem incomodar-se com os olhares furtivos que se chocam contra seu cinturão. A passos largos, o contratante, Padre Anacleto, repassava o plano de ação e a estratégia a ser executada. Joana ouvia com atenção, as palavras pareciam penetrar em sua mente e percorrer um longo caminho antes de chegar ao seu entendimento, o esboço de um sorriso indicava compreensão. Joana entrou na sala, deixando Padre Anacleto falando sozinho, hesitante se seria ouvido, proferiu uma última frase que ficou no meio do caminho, indecisa se voltava para o lugar de onde veio ou ousava penetras naqueles ouvidos incertos: “esse inimigo precisa ser eliminado o quanto antes”.

Joana agachou-se lançando todo o seu peso sobre o joelho esquerdo. Uma espécie de formão se desprendeu do cinturão tilintando no assoalho. Encostou o ouvido como se quisesse ascultar o coração. O formão apressado foi atraído para a sua mão, num movimento delicado a lâmina deslizou sobre a epiderme, sulcou a derme, alcançou a hipoderme e fez brotar os fluídos da parede de taipa. A incisão tinha a pretensão de cortar fundo. O pó da argila descia feito areia de ampulheta, mansa se depositava no rodapé. O suor escorria pelo rosto da caçadora de cupins, com um movimento da mão, drenou a transpiração deixando um rastro de terracota. O utensílio arrombou todas as camadas abrindo um olho na parede. Era cego, mas permitia ser olhado. Munida de uma pequena lanterna, Joana iluminou a fenda, o que viu não tinha semelhança alguma com cupins, mesmo assim ganhou sua atenção. Levantou-se como quem tem um contêiner nas costas, retirou o cinturão para ficar mais leve, como se isso fosse possível. Seus pensamentos a ordenavam que corresse, mas suas pernas não eram de seguir ordens. Joana se deslocou o mais rápido que pôde.

“Padre Anacleto”. Gritou ela trepidando pelo corredor.
Por sorte o clérico não estava longe, ao ouvir o chamado, deixou uma fala pela metade e virou às costas a uma freira.
“Santo Deus mulher, parece ter visto uma assombração!” Exclamou o Padre.
“Receio que sim, venha comigo”. Bradou Joana num arquejo ofegante.

Padre Anacleto olhava pela cavidade, incrédulo mandava informações ao cérebro para que juntasse as peças. Impelida por uma força arqueóloga, Joana começou a desmantelar a parede, as camadas se desmanchavam feito colméia de vespas. A taipa fora roubada em um metro de diâmetro, substituída por uma bruma de poeira âmbar. Joana não percebeu a audiência que se formava às suas costas. Estarrecidos, os semblantes tentavam decifrar o que viam.
Odair Comin

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