sexta-feira

MicroConto: Convergência

Sete pessoas, sete histórias, sete caminhos: um destino. Como afluentes de um rio, todos convergiam para um mesmo leito. O encontro com o mar, uma profusão de deleites. Carol saiu do trabalho às 18:00hs. Eufórica. Com uma bolsa gigantesca desceu as escadas do metrô feito gueixa irrequieta. Vinícius corria na esteira enquanto ouvia no MP3 uma banda de rock alemã. O relógio o alertou do compromisso. Uma ducha rápida seguida de uma palpitação leve.

Marta tem estampado no rosto um sorriso dissimulado, ao mesmo tempo em que desliga o computador, lembra da compra que fez no almoço, especialmente para a ocasião. Despede-se dos colegas escorregando lépida para o estacionamento. Convergência, esta é a palavra mais explícita para explicar o que não pode ser explícito. Rômulo está indeciso, inseguro, até pensou em não ir, mas o que os amigos iriam pensar, ele não podia dar o cano, ou podia? Entre as duas forças que se digladiaram, venceu a coragem.

“Essa porra de trânsito que não anda”, foi o que ressoou das cordas vocais de Gerusa. O stress corre em suas veias, disputa espaço com os hormônios sempre à superfície da pele. Hoje é a primeira vez que passará pela experiência. Ficou a semana toda às voltas com fantasias a respeito. Foi uma TPM fora de época. Agredia e chorava. Teve insônia e comeu demais. Acabou de descobrir que buzinar lhe acalma.

Alberto passou e pegou Bruno no trabalho, falaram sobre tudo, menos sobre o que iriam fazer. Não que o assunto fosse um tabu, a conversa apenas tomou outros rumos. Como sempre Vanessa chegaria atrasada. Já atravessava o hall do prédio, no alto de seu salto 12, quando descobriu que a bolsa não combinava com a sandália. Foi a pressa excessiva de quem tem tempo sobrando. O delator foi o olhar da moradora vizinha, que chegava no mesmo instante. Bastou o escrutínio preciso daqueles olhos negros, para ela perceber. Não havia outra alternativa senão voltar. Ajeitou a saínha e subiu.

O ambiente é aconchegante, as mãos de tinta carregaram tons de verde. A mobília demonstrava bom gosto. Na parede dos fundos, a sugestiva e mais famosa pintura de Bosch: "o jardim das delícias". Os convergentes foram chegando um a um. Cada um entrava a sua maneira, penetrando no recinto resolutos. Os rostos tentavam esconder o que cada um já sabia. Vanessa entrou esbaforida: “Perdoem-me o atraso”. Os olhares carregaram uma gargalhada, foi como um picador de gelo. Por onde começamos, é o que cada um perguntava dentro de si.

Odair Comin

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