quinta-feira

Poesia: O Mendigo

Meu corpo está aqui;
Minha imaginação onde eu desejar.
Meu corpo está preso a este “mundo”;
Meus pensamentos são mais livres do que eu.
Minhas lembranças,
Estão em lugares que antes já estive;
Hoje minha permissão é negada.

Meu corpo antes “puro” e belo;
Agora infectado,
Sujo e imundo num mundo decadente.
Antes muitos braços vinham ao meu abraço;
Hoje nem meus braços encorajam-se a me abraçar.
Antes as pessoas olhavam nos meus olhos com ternura;
Hoje olham com desdém e pena.
Vozes antes entoavam cânticos,
E recitavam poesias para mim;
Hoje vozes me expulsam, gritam,
Enxotam como um cão raivoso.
Mal cheiroso estou,
Quando dantes perfumes exalavam do meu corpo.

Vejo pessoas andando de um lado para o outro,
Fico imaginando no que estão pensando...
Algumas andam depressa e olham para o relógio...
Outras andam lentamente com olhos de admiração...
Algumas conversam fazendo gestos para o amigo...
Tem aqueles que parecem conversar consigo mesmos...
Alguns andam sorrindo...
Outros com olhar de preocupação...
Mas todos sabem para onde vão...

Dou alguns passos, fico parado, estendo a mão...
Todos me vêem, ninguém me enxerga...
Olham para mim como se isso fosse “normal”...
As pessoas desviam de mim,
Como se eu fosse um obstáculo...
Uma criança passa andando,
Grudada à mão da mãe;
Olha com olhar de surpresa,
Um olhar não visto no adulto;
Uma sacudidela no braço;
Ela quer sua atenção;
Aponta para mim com preocupação;
A mãe a puxa com força e a força,
Fazendo-a depressa andar;
Um aceno ao longe, um sorriso;
A felicidade cada vez mais distante...

Sou a sujeira que jogam debaixo do tapete...
Sou os cacos que jogam no lixo...
Sou os ratos de esgoto, cassados por gatos ferozes...
Sou a água suja que jogam pelo ralo...
Sou o câncer, prestes a ser estirpado...
Sou o doente em seu leito de morte...
Sou o alimento estragado que jogam fora...
Sou aquele mendigo fétido,
Que de vez em quanto, você joga alguns centavos...

Fecho os olhos;
Mais uma noite em meio aos jornais.
Jornais que falam de mim mesmo...
Eus, que já não mais existem;
Que abreviaram o sofrimento da vida,
Fico imaginado quando será minha vez...
Eus, que o frio congelou seus corações...
Que a overdose foi seu carrasco...
Eus, que foram estuprados pela violência...
Que morreram na intolerância negra...
Eus, que imploram para viver...
Para continuarem vivos...

Odair Comin

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