quinta-feira

Controle Remoto

Diferentes designs acompanham tuas formas. Formas arredondadas, quadradas e alongadas. Pequeno, médio, grande. Teus tamanhos acompanham os mais variados, inveterados e sossegados consumidores. Botões que se perdem, que nos deixam perdidos em suas infinitas funções, variações e acomodações. Tu sabes muito bem o que queres, mas quem te controla, não. Quem te controla já desistiu de querer, já desistiu de viver. O que podes tu fazer? Nada além daquilo que está a teu alcance, nada então poderá ser feito, se nada daquilo que previstes deu certo. Esteja certo do incerto...

Num zapping de movimentos fulminantes, feito soldado em campo de batalha, você estraçalha corações, infinitas direções, infinitas nações. Alguém direciona o controle à um aparelho, e detona sem muita lucidez do que quer. Simplesmente pelo prazer de controlar. Ele pode controlar a mudança, não controla o conteúdo banal. Não controla nem mesmo ele, engolido por suas próprias crenças, não controla seus dedos que mexem-se sozinhos, não controla seus braços que balançam devagarinho, não controla sua mente que vagueia sem caminho...

Um corpo desmaiado na poltrona, dali ele pode “controlar o mundo”. Um controle desordenado, descontrolado e desamparado. Diferentes imagens lançadas em olhos desprotegidos. Olhos que não percebem o óbvio, mas percebem o implícito. Olhos abertos para fora, fechados para dentro. Olhos que vazam o aparelho e batem-se na parede. Sonolento, tonto e claudicante. Perde-se em meio à imensidão de sua ignorância, de um mar sem fim...

Estou eu aqui a olhar para este controle remoto, negro como negra é a noite sem luar. Botões que meus olhos se confundem. Liga, desliga. Canal abaixo, canal acima. Mais volume, menos volume. Mais brilho, menos brilho. Para frente, para trás. Play, stop. Me sinto uma formiga vasculhando um universo desconhecido, tão grande, tão longe, tão distante, que minha vista não alcança. No horizonte o sol já se pôs, e eu ainda estou me guiado por ele. Ah! se os deuses me vissem sentiriam vergonha deste pobre mortal, ser banal, de existência sem igual...

Só precisamos de controle quando estamos descontrolados. É como quando precisamos de paz. Se precisamos de paz é porque estamos em guerra. Doce ingenuidade da criança que brinca com o controle, mal sabe ela que quando crescer, será controlada por ele, e o que é pior, ela achará que quem controla é ela. Doce inocência de inocentes seres. Doce mesmice daqueles que voltas e voltas dão, sem sair do lugar. Sem perceber que o mundo é muito mais do que isso. Sem perceber que seus olhos não conhecem o belo, porque nunca viram...

Minha mão desliza no alto relevo do controle, como um cego tateio. Meus olhos são meus dedos, eles parecem ter seus próprios pensamentos. Estão tão treinados que já sabem onde, quando e como devem estar. Meus dedos acariciam quem não tem sentimentos. Acariciam quem não tem sofrimento. Meus dedos deslizam como quem lê braile num idioma que não conhece. É automático, nada faz sentido, tudo parece esquecido. Na escuridão da minha ignorância, da minha inconstância, sem muita importância...
Odair Comin

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